terça-feira, 8 de abril de 2014

O PILOTO DE HELICÓPTERO OU COMO O MUNDO É PEQUENO (Quarta Parte)








Se esse amor
Ficar entre nós dois
Vai ser tão pobre amor
Vai se gastar...

A Maçã

Raul Seixas e Paulo Coelho.

Mas planos - principalmente aqueles de um deslumbrado imberbe - não se materializam por obra e graça da geração espontânea; precisam ser postos em prática. E eu não havia contado a Zé Trindade  toda a história. Subtraí o que me interessava para arregimenta-lo – não daria ao meu compadre o gostinho de saber do piloto de helicóptero.

Quando acabou o show do Teatro do Sesi, me aproximei do palco e chamei o acordeonista da banda (Quirino, agora me lembro do seu nome) e pedi:

- Você pode entregar esse bilhete a Zizi?

- Suba aí, vá no camarim, fale direto com ela.

Como o bilhete dizia que eu era um cara que fazia teatro em Feira de Santana e que estava a fim de montar um musical onde queria a sua participação, meu coração aos pulos achou que não era nada demais eu ir lá dizer pessoalmente – ainda que as minhas pernas trêmulas não comungassem com essa opinião. E foi assim, bambo de medo, que eu subi a escada lateral que dava acesso ao palco e segui pro camarim.

Alguém já se sentiu no céu alguma vez? Eu já! Naquele camarim, sob o feitiço de cumprimenta-la.

Ali estava ela. Meiga, com seus alvos dentinhos montados dando estilo à sua face de fada,só pra mim – pelo menos naqueles parcos minutos de eternidade.  A mistura inebriante de perfume com o seu suor de deusa, derramado sob os refletores , que se entranhou em mim durante os beijinhos da apresentação, é algo que jamais esquecerei. 

Quando me recompus, não deixei por menos.

- Zizi, sou de Feira, faço teatro, estou montando um musical (pura mentira! eu não fazia ideia nem por onde começar o que ainda não sabia que iria fazer) e blá, blá, blá.

Ela me olhou por uns segundos, com seus olhinhos de triturar poeta e me surpreendeu.

- Claro, eu adoraria fazer.

Se eu já não acreditava em nada daquilo, a começar por mim, como iria acreditar no que acabara de ouvir?

- Você topa mesmo?

- Sim, a gente só precisa conversar com calma, combinar detalhes.

- E onde e quando podemos fazer isso.

- Amanhã de manhã mesmo,  lá em minha casa. Conhece a Boca do Rio?

- Sim.

- Pois então. Naquela rua assim, perto daquele assado, às 10h tá? Não vá faltar. Lá a gente vai ter todo o tempo e tranquilidade do mundo para conversar, isso aqui tá uma loucura, tem muita gente.

Meu Deus! - pensei num relance - Também está acontecendo com ela. Somos almas gêmeas.

- Ok! Serei pontual.

Nos despedimos e me dirigi em direção à rua, mais feliz do que “pinto no lixo”. Tudo, agora,  fazia total sentido para mim (pensava enquanto caminhava). Quirino não querer levar o bilhete; ela ter cantado A Maçã – a música que eu havia elegido para o nosso hino; o encontro marcado  logo para o outro dia, numa condição de intimidade... Sim, ela também foi flechada, redundei de pensar. E enquantoatrevessava a  porta que dava pra rua rua, não pude evitar de cantarolar: Se eu te amo e tu me amas/ e esse amor a dois profana...

Eu não perdia por esperar.

O DILEMA DA HIENA

Ó, céus!
Ó, dor!
Quem acabou com tudo
na dádiva do amor?

segunda-feira, 7 de abril de 2014

VOAR FAZ BEM A SAÚDE

Lido bem com aviões. Exceto com os pequenos, tipo Bandeirantes, não tenho, nem nunca tive medo de voar. E mesmo assistindo freneticamente Mayday - série da National Geographic sobre investigações de catástrofes aéreas - desconfio que continuarei lidando sem problemas com o conforto de voar. Mas quanto mais assisto à serie lembro de meu irmão Rá Nascimento, músico genial e filósofo do absurdo, quando um dia, do nada, me disse:


- Carôso.

- Diga Rá!

- Sabe porque prefiro viajar de carro e não de avião?

- Por que?

- Porque o carro passa por cima do buraco.

- E?

- De avião, aonde você vai, o buraco vai em baixo.



sexta-feira, 4 de abril de 2014

O PILOTO DE HELICÓPTERO OU COMO O MUNDO É PEQUENO (Terceira Parte)








- Zé Trindade, tô apaixonado.

- De novo?!!! Eu quero é novidade.

- Mas dessa vez é sério, pô!

- Todas foram. Mas conta aí: quem é a vítima agora?

- Sua mãe – respondi, já começando a perder o rebolado.

- Minha mãe não. Ela tem juízo, não permitiria nunca um louco feito você chegar nem há mil quilômetros de distância dela. Mas deixe de história e desembucha: quem é?

- Você não conhece.

- É óbvio que não conheço sua anta e se você não falar aí é que eu não vou conhecer nunca.

- É uma cantora de Salvador: Zizi Possi.

- Zizi Tosse?!!!!!!!

- Não, seu animal, Possi. Zizi Possi, irmã de José Possi Neto, aquele diretor de teatro.

- Dele sim, mas dela nunca ouvi falar.

- É de São Paulo, canta pra caralho e está morando na Bahia. Vi um show dela no Gamboa, depois outro no Teatro do Sesi e agora acabei de assisti-la em Quincas Berro D´Água no TCA. Tô pirado. Não como, não bebo, não durmo, só respiro Zizi.

- Fodeu! Salvador nunca mais será a mesma, o maluco deu pro lado de lá. Mas sim – continuou Zé, com aquela sua eterna cara de espanto -  mas o que é que eu tenho com isso? Já ando traumatizado com esse negócio de paixão, vindo de sua parte. A última vez em que você se apaixonou nós tivemos de passar a noite parando todos os bailes de Juazeiro para beber de graça. Nem vem.

- Mas o que você queria que eu fizesse se o fiscal da Ordem dos Músicos era você? O poder de polícia estava em suas mãos meu nego. A gente sem um conto, eu com uma dor de cotovelo da moléstia; você com aquela carteira linda – com o brasão da República e tudo, sem querer usar por pudores éticos. Foi só juntar dois com setecentos. E não venha destilar moral não porque você também encheu a cara - talvez até mais do que eu.

- Deixa isso pra lá. Vou repetir a pergunta: o que é que eu tenho com isso meu compadre?

- Vou fazer um musical. Vou trazer ela pra cantar em Feira. Preciso de você.

- Puta que pariu! Eu sabia que ia sobrar pra mim, sempre sobra.

- Mas compadre, não adianta eu fazer teatro, poder arregimentar gente nesse meio se não tiver alguém de peso na música, com quem contar. Não quero fazer um recital, entendeu jumento? Preciso de um musical porra!!!!

- Não sei não... Tô fora.

- Fora um caralho, compadre é compadre. Vai me deixar na mão agora é?

- Mas eu lhe dei foi o meu filho pra batizar e não a minha vida.

- E de que vida, afora a da comadre,  saiu seu filho?

- Da minha – respondeu Zé, não sem muita relutância, já que acabara de se dar conta do xeque-mate.

- ?
- Tá seu porra, eu faço?

- Sem grana?????? Não tenho um puto. – e um silêncio mortal pairou no recinto, enquanto Zé Trindade me cravava o punhal do seu olhar mais negro que azeviche.

- Vá se foder!!!!!!! Faço sim, senão você não larga do meu pé. Melhor trabalhar de graça do que lhe aturar.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

A VERDADE HÁ QUE SER DITA

Comentário literal, grafado em verde, na margens da prova, de minha professora de Comportamento e Cultura Organizacional: "Edmundo, a sua construção de texto requer coerência textual (sic) e ordenamento das ideias para que haja melhor entendimento."

E não é qua a danada tem razão?!


terça-feira, 1 de abril de 2014

O PILOTO DE HELICÓPTERO OU COMO O MUNDO É PEQUENO (Segunda Parte)



Com a minha mania de estar sempre em Salvador vendo espetáculos, principalmente as estreias, eu não tirava os olhos dos jornais. Um dia estava lá: Quincas Berro D’Água no Teatro Castro Alves, com um monte de feras no elenco e participação de Zizi Possi. Minha testosterona quase me faz enfartar.

Não bastasse estar ali, bem à mão de meu bolso, a adaptação para teatro de um dos romances definitivos de minha vida (sem exagero nenhum, eu já havia lido, até então, A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água umas 10 vezes), também estava a minha diva – aquela responsável pela ópera insana, que derramava árias e árias de desejo nas tragédias hormonais de meu pobre ser adolescente. E mais uma vez eu confundindo aquilo tudo com amor...

Na noite de estreia lá estava eu, na fila C, para assistir à uma montagem inesquecível, com adaptação e direção de João Augusto. Já do elenco, exceto Wilson Melo – por razões óbvias, creditadas ao seu talento de gigante - não lembro de ninguém (já que tudo e todos: da bilheteira ao programa da peça; do porteiro ao iluminador; até mesmo o fiscal do Juizado de Menores e a moça que vendia drops – o drops até, juro - tudo por tudo tinha a cara de Zizi).

Foi uma noite inesquecível, que culminou com Quincas morrendo sua segunda morte depois de cair da popa do saveiro do Mestre Manuel.

Saí do teatro com a certeza absoluta de que Quincas tinha morrido mesmo não por estar embriagado da pinga que seus companheiros lhe desceram pela goela, em torno do caldeirão fumegante da peixada, mas sim pelo canto de sereia de Maria Clara, interpretada por Zizi Possi: “No fundo do mar te achei toda vestida de conchas...”

É isso - pensei com meus botões, Quincas morreu mesmo foi embriagado de Zizi.

E foi nesse ponto que bolei meu plano